A Inteligência Artificial Generativa (IAG), tal como o ChatGPT, representa um novo marco nas revoluções tecnológicas, que molda profundamente as relações de trabalho. Historicamente, o Direito do Trabalho tem acompanhado e regulamentado as transformações decorrentes das inovações tecnológicas, desde a Revolução Industrial. Entretanto, o ritmo acelerado das inovações tecnológicas apresenta um desafio significativo para as empresas e a sociedade como um todo.
A IAG é uma tecnologia que vai muito além da automação convencional de tarefas. Ela possui a capacidade de criar informações a partir de grande bases de dados, os chamados “data lakes”, adentrando no campo da criação, uma esfera anteriormente reservada exclusivamente aos seres humanos. Isso inclui a análise de dados, geração de textos, códigos e até mesmo de imagens. Apesar do potencial transformador da IAG, surgem questionamentos consideráveis sobre sua segurança e confiabilidade, especialmente no contexto empresarial.
O “Relatório do Futuro do Trabalho sobre IA no trabalho” do LinkedIn, de agosto de 2023, revelou que 47% dos executivos americanos acreditam que a adoção da IAG, como o ChatGPT, pode levar a um aumento da produtividade. No entanto, 92% concordam que as chamadas “people skills” – habilidades comportamentais e socioemocionais dos profissionais – agora são mais importantes do que nunca. Dentre essas habilidades, destacam-se a flexibilidade, ética profissional, percepção social e autocontrole.
No entanto, o desenvolvimento da IAG, embora promissor em termos de avanço tecnológico, também levanta preocupações sobre o seu impacto no mercado de trabalho.
Em artigo publicado em 01/02/23 pela Kellogg School of Management at Northwestern University, considerou-se que as profissões que, atualmente, se encontram em maior risco de transformação ou mesmo desaparecimento, são aquelas especializadas na análise de grandes quantidades de dados, mas que não requerem a adoção de grandes julgamentos ou interpretação.
Há, portanto, um grande receio de que milhares de empregos possam ser substituídos no curto e médio prazo. Isso abrange, desde profissões que prestam serviços de atendimento ao cliente, como certas atividades em call centers e, inclusive, em menor escala, até aquelas que requerem alta criatividade, como roteiristas e escritores.
Um exemplo atual de conflito decorrente do uso da IAG é a greve de roteiristas e também de atores de Hollywood. A greve dos roteiristas teve início com o protesto contra os baixos salários oferecidos, principalmente por canais de streaming. Além disso, o sindicato da categoria solicitou que não fossem utilizados roteiros criados ou reescritos por IAG, com base em roteiros pré-existentes em bancos de dados. A utilização de IAG para criar filmes, incluindo a digitalização de atores secundários, também gerou preocupações quanto à substituição desses atores na realização de filmes.
Com relação à greve dos roteiristas, o conflito foi finalmente solucionado em outubro, com a aprovação de uma norma coletiva negociada pelo sindicato dos roteiristas (Writers Guild of America ou WGA) com a Aliança de Produtores de Cinema e Televisão (AMPTP) para encerrar a greve. O site do WGA informou a ratificação da norma coletiva em outubro por 99% dos seus membros, com vigência de 25/09/23 a 01/05/26. Os principais pontos destacados pelo WGA quanto ao uso de inteligência artificial foram os seguintes:
- IA não pode escrever ou reescrever material literário, bem como materiais gerados por IA não serão considerados materiais fonte conforme a norma coletiva, no sentido de que não poderão ser utilizados para prejudicar os créditos ou direitos de um roteirista;
- Um roteirista pode optar por utilizar IA em seu trabalho se a empresa consentir e desde que ele siga as políticas estabelecidas pela companhia, mas a mesma não pode exigir que o roteirista utilize softwares de IA (como o ChatGPT) para a realização de seus serviços;
- A empresa deve revelar ao roteirista se qualquer material fornecido a ele tiver sido gerado por IA ou contiver material gerado por IA;
- O sindicato reserva-se ao direito de proibir a exploração dos materiais produzidos por roteiristas para treinar IA.
Esta norma coletiva firmada no caso do WGA estabelece um precedente importante, não apenas nos Estados Unidos, mas também no mundo, com relação à preservação do trabalho intelectual e de criação humana em um contexto de utilização da IAG, podendo vir a ser considerada como referência para próximas soluções.
Mas, com certeza, ainda há muitas dúvidas e lacunas a serem preenchidas sobre a utilização da IAG.
Como conciliar o progresso tecnológico da IAG com o modelo atual de trabalho? Algumas propostas incluem a tributação diferenciada do uso dessas tecnologias disruptivas e a criação de uma reserva de mercado, com vagas especificamente destinadas a seres humanos no futuro.
Na competição entre seres humanos e máquinas, não estamos mais diante de questões meramente filosóficas sobre o uso da inteligência artificial, pois ela já faz parte da rotina das grandes empresas.
Questões éticas, como os desafios da gestão de risco de plágio, direito de imagem e proteção de direitos autorais de obras criadas por IAG e terceiros, estão se tornando realidades que demandam medidas legais e extrajudiciais para sua solução. E, como visto no caso dos roteiristas nos Estados Unidos, pode haver, ainda, o envolvimento dos sindicatos.
É fundamental, assim, que as empresas assumam um papel proativo na elaboração de normas e políticas internas para garantir a segurança jurídica no uso da IAG, especialmente em um contexto onde a legislação, ainda, precisa se adaptar às rápidas mudanças nas relações humanas, uma vez que não há leis publicadas nesse sentido no Brasil. Há projetos de lei sobre o tema, como o Projeto de Lei nº 759/2023, que visa regulamentar os sistemas de IA no Brasil e para que haja a elaboração de uma Política Nacional de Inteligência Artificial pelo Poder Executivo, mas que ainda estão sob análise.
Dessa forma, no atual cenário legislativo, somente a autorregulação regulada destas novas ferramentas, ou seja, a criação de normas e políticas internas pelas empresas (o denominado “soft law”) para definir e orientar essas questões, poderá garantir um menor impacto negativo e a mitigação de riscos futuros, a partir do estabelecimento de regras e critérios internos para a utilização de IAG pelas empresas.
Artigo de Rosana Pilon Muknicka e Rosana Tagusagawa – sócias do Muknicka Advogados.